A aposentadoria do índice de 3% de Adiantamento a Depositantes

É louvável que tenhamos métricas e indicadores para validar quais competidores do ramo cooperativista de crédito estão tendo maior ou menor êxito em um determinado tópico. Contudo, é prudente definir com parcimônia e tecnicismo estes indicadores, revendo-os sempre quanto a sua aplicabilidade e métrica, evitando deixá-lo cair no ostracismo.

Alguns indicadores corriqueiros do cooperativismo de crédito já mereciam uma profunda revisão, pois eventualmente foram definidos em cenários distintos do que hoje vivem as Singulares ou pela necessidade de se adotar balizadores medianos para rotular se uma ou mais singulares estavam acima ou abaixo de um patamar pré-estabelecido.

Um destes indicadores que sinaliza obsolescência é o que define como teto 3% de adiantamento a depositante. Este é obtido pelo saldo médio em adiantamento a depositante (AD), dividido pelo saldo médio em depósito a vista.

Vejamos algumas reflexões para suportar este ponto de vista.

  1. As singulares são regidas pelo BACEN e devem seguir rigorosamente seus preceitos visando transparência e solidez. Portanto a Resolução nº 1.559, de 22/12/1988 do CNM, determina em seu artigo 9º que é vedado às instituições financeiras:
    • Admitir saques além dos limites em contas de empréstimos ou a descoberto em contas de depósitos;
    • Realizar operações que não atendam aos princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos;
    • Realizar operações com clientes emitentes de cheques sem fundos;
    • Conceder crédito ou adiantamento sem a constituição de um título de crédito adequado, representativo da dívida.
  2. A Resolução 3.518 de 06/12/2007 no seu Art. 8º, § 2º, reforça que: “O valor do lançamento a débito referente à cobrança de tarifa em conta corrente de depósitos à vista não pode ser superior ao saldo disponível”.
  3. O estatuto da singular determina penalizações aos associados que infligirem regras de boas práticas quanto ao relacionamento financeiro com a instituição.
  4. Os bons contratos de trabalho mencionam sanções ao funcionário que não seguir as determinações administrativas explícitas do seu quadro executivo, ou infringir normas de boa prática quanto a concessão e gestão do crédito. Portanto não tem respaldo legal, pagar cheque a descoberto ou debitar valores na conta sem saldo.

A incongruência da Lei

Por tudo que vimos acima não se esperaria dos órgãos reguladores uma incongruência entre suas definições. Deveriam definitivamente se posicionar a favor ou contra o estouro de conta, evitando situações debilitadas em singulares que extrapolaram as leis do bom senso. Se é que pode existir bom senso nesta prática.

Comentamos, pois há lei que permite que os bancos cadastrem como tarifa aqueles decorrentes de estouro de conta, como visto na tabela que padroniza as nomenclaturas das tarifas da Circular nº 3.371 do BC, de 06.12.2007, no item 4: Operações de crédito – subitem 4.1: Concessão de adiantamento a depositante.

Reforçando estas incongruências dos legisladores, quando ainda não vemos nenhuma contestação quanto ao estouro de uma conta corrente, ocasionados pelo débito de juros do cheque especial. Aparentemente este estado de letargia é decorrente das suas percepções que isto é uma prática assimilada pela população por ser praxe em todos os bancos de varejo, ou por terem “aceito” que este fato constasse nos contratos antigos (ou novos) de cheque especial.

Prática comercial  & “Bom senso” 

O estouro de conta corrente não se suporta quanto ao julgamento do seu mérito, bem como quanto a sua eficácia como fonte saudável na geração de receitas, mas reconhecemos ser uma prática comercial muito antiga, e que seria impossível imaginar uma instituição financeira sem esta “válvula” de escape. Contudo nossa consultoria não se furta em alertar que mesmo o uso “mediano” desta “facilidade” já pode tornar temerosa a gestão de uma instituição financeira, em especial as pequenas onde se percebe alta proximidade do executivo com o quadro operacional.

Deficiências do índice de 3% de Adiantamento a Depositantes 

Vejamos alguns pontos que podem colocar em xeque singulares que adotam como irrefutável a utilização da métrica de até 3% de adiantamento a depositante sobre o depósito a vista:

  1. A Resolução nº 1.559, de 22/12/1988 não permite adiantamento a depositantes;
  2. A regra não pondera quantos clientes tiveram ou estão em adiantamento a depositantes. Este percentual de 3% pode estar concentrado em um cliente ou em um pequeno grupo deles, denotando uma gestão temerária, mesmo que esteja abaixo do índice de 3%;
  3. O denominador desta fórmula é o saldo médio em depósito a vista, o qual não é nada estável. Oscila fortemente em algumas épocas do ano e muito mais em regiões onde há uma forte dependência de uma riqueza sazonal (safra, temporada, uma fonte pagadora, …). Assim, podemos estar enquadrados nos 3% neste mês e no próximo podemos estar em 7% ou em 1%. Ou seja, este percentual não baliza a qualidade da Singular ou de sua carteira de crédito;
  4. Ao permitir que um limite de cheque especial seja ultrapassado, coloca-se em xeque a necessidade e efetividade do comitê de crédito e da política de crédito. Pois “alguém” tem a liberdade de dar um limite extra sem nenhuma garantia, desrespeitando o aprovado pelo comitê de crédito ou determinado pela política;
  5. Algumas singulares ferem a “lei” ao estourarem a conta corrente de clientes ao debitarem valores não originários dos juros devidos do uso do limite de cheque especial.

Repaginando a mente de nossos gestores

Equivocadamente alguns executivos e gerentes rotulam de bons clientes aqueles que recorrentemente estouram suas contas, e que sempre vem cobri-la após “avisado”. Este rótulo vem do fato destes clientes pagarem boas taxas e altas tarifas punitivas. Isto realmente não procede e na prática observamos uma fuga destes gestores da sua missão de fazer resultados saudáveis com sua boa base e mercado. Ou seja, gastam o seu horário mais nobre do dia para “atender” um grupo recorrente de “tranqueiras”, os quais certamente não dispõem deste “serviço” junto aos bancos. E caso participem do seleto grupo que os bancos admitem que estourem a conta, certamente teriam  um custo (taxa e tarifa) muitíssimo maior que o da Singular. Atenção: é insustentável rotular este “serviço” como um bom e diferenciado serviços de uma Singular frente aos bancos da sua praça.

Concordamos que é até aceitável que isto ocorra eventualmente, mas é insano na frequência que se observa. Portanto, o cliente que estoura sua conta de forma recorrente é sim um cliente desregrado financeiramente, mesmo que se comporte como um bom menino vindo sempre cobrir sua conta pela manhã. Reflitamos: Ele não tinha saldo e mesmo assim passou cheque a descoberto (ex). O problema dele passa a ser nosso em um passe de mágica, sem que nada tenha sido previamente acordado. Isto não é uma saudável parceria comercial.

Conclusão: foco só em quantidade

Esqueçamos por enquanto qualquer fórmula ou índice que utilize o volume de adiantamento a depositante ou saldo médio em depósito a vista, bem como o índice de 3%. Caso decidam continuar acreditando que pagar cheque a descoberto é um diferenciado serviço de sua Singular, oriento que alterem a forma de administrá-lo para algo mais coerente comercialmente.

Sugerimos uma forma mais prudencial e comercial. Que passemos a adotar um percentual máximo de clientes que poderão estar em adiantamento a depositantes. Ou seja: ex: 1,2% (12 clientes em adiantamento para cada 1.000 clientes ativos). Isto pode ser facilmente aberto por agência, carteira, clientes PF e PJ, clientes novos…, facilitando o acompanhamento e ações corretivas.

Importante: a gestão e redução dos valores envolvidos no adiantamento a depositantes se obtêm facilmente através das criativas “políticas” que constam no artigo/áudio: “Adiantamento a Depositante – Aprenda domá-lo”, postado há um ano em nosso site. Como exemplo, lembramos a “política” de se definir que um cliente só pode estourar sua conta uma vez por semestre e em até 10% de seu limite. Aconselhamos reflexões sobre este artigo, concomitante com este que hora lê.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 02/07/2010