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2007 – Revendo para competir

Introdução

Nos últimos três anos, tenho tido a rica oportunidade de conviver intensamente com as maiores Cooperativas de Crédito do Brasil, seja como consultor, instrutor ou palestrante. Esta experiência, somada aos meus 30 anos de vivência em nosso mercado de varejo financeiro massificado, me favorece na tentativa de analisar este tema de forma mais eclética, sem saturá-lo.

Pretendo, no texto, compartilhar prováveis cenários realistas para o crescimento sustentado das Cooperativas de Crédito (doravante grafadas “CC”). Certamente, que ao dedicar esforços em compartilhar meus pontos de vista, pretendo favorecer a antecipação de reflexões sobre temas que podem ser decisivos para a concretização de um modelo de negócio, tal qual o das CC, no qual acredito.

Vou tratar de mudanças para as CC da forma mais explícita possível, sem nenhuma predileção política ou acadêmica, focando 100% em aspectos comerciais. Assim sendo, desde já peço desculpas aos preceitos seculares, simbolismos e aos profissionais que buscam a propagação dos conceitos cooperativistas de crédito.

Para conforto do modelo houve a reeleição do atual presidente. É notório que ele e seu partido têm um apreço enorme pela causa cooperativista de crédito. Lula a verbaliza, quando diz ter um sonho de transformar o Brasil em um grande país cooperativo. Apesar de serem mais quatro anos, o tempo para gerar músculos será 2007.

Sabemos que nossas grandes CC têm origem de cisões saudáveis de cooperativas de produção rural, médicos ou de associações comerciais, e que visam “descomplicar” o acesso a serviços financeiros a seus associados, regionalizando a riqueza por eles gerada.

Ter um histórico recente de sucesso não é nenhuma garantia para o futuro. Como está, não há garantias de que entrará no segundo tempo do jogo com fôlego para golear. A realidade mercadológica sinaliza claramente que o modelo de negócio deve ser rapidamente revisto em algumas de suas premissas, o que não determina a perca da essência do cooperativismo.

O mercado financeiro massificado está saturando e amadurecendo mais rapidamente do que mudam alguns discursos cooperativistas. Já não há bons clientes sobrando. A dita “bancarização” com seus 50 milhões de brasileiros das classes D e E não permite ganhos de escala com as atuais estruturas das CC. Os Correspondentes Bancários já invadiram estas oportunidades que originalmente seriam a grande meta social das CC.

O mercado é soberano. Não se pode mudá-lo tão facilmente como se imagina. Para que o modelo cooperativista de crédito sobreviva, o caminho racional passa primeiramente por suavizar e/ou realinhar alguns discursos à prática. As CC são uma engrenagem do mercado e não sua moldura. Lembro uma frase de Confúcio que há mais de 2.500 já nos ensinava: “Só o que muda, permanece”. E não será diferente com o modelo de negócio das CC. Entretanto, sabemos que falar de mudança sempre é algo muito delicado, pois ela nos remove da nossa zona de conforto e faz surgir questionamentos como “Se deu certo até aqui, por que mudar?” ou “Em time que está ganhando, não se mexe”.

Abaixo, os temas que acredito que devam ser motivos de reflexão por concorrerem com o futuro das CC, seja isoladamente ou em grupo.

1) Conta corrente – A base operacional

Vamos primeiro tratar da conta corrente por ser o elo – a ponte – para que sejam entregues serviços e produtos aos associados. Ouço discursos coerentes sobre os inúmeros motivos que deveriam nortear a abertura de uma conta corrente em uma CC. Ocorre que a prática mercadológica já coloca muitos deles parcialmente ou totalmente em xeque. Poderíamos enumerar vários detalhes para corroborar esta afirmação.

Observemos que a grande maioria dos associados que estão movimentando suas contas correntes nas CC buscaram as mesmas soluções financeiras disponíveis em um banco de varejo massificado. Contudo, o discurso recorrente é que as CC não são bancos e a quase totalidade dos discursos dos bancos são rechaçados neste modelo de negócio. O discurso cooperativista original perde eco diante de uma comparação tão racional imposta pela prática diária do mercado. Seus colaboradores e associados são os mesmos preteridos pelos bancos de varejo massificado, portanto, para os bancos, as CC são, sim, “bancos” concorrentes diretos. Eles não baixarão a guarda e serão tão agressivos quanto for o crescimento das CC.

Normalmente os argumentos para que um novo associado abra sua conta corrente na CC é que ele desfrutará de um ótimo atendimento, muito melhor do que recebe dos bancos de varejo. Há uma coisa boa nesta afirmação, pois, de forma velada, admitem quem é seu concorrente direto. Por outro lado, nos aponta um ponto de atenção. Mesmo o sistema cooperativista de crédito deve ter regras claras para não “equalizar” associados de forma linear em 100% dos temas, em especial os afins a sua eficácia comercial e operacional. Claro que todos são iguais em muitas coisas, inclusive quando do voto. Mas comercialmente dependerá de variáveis coerentes e formais.

Sabemos que é caro prestar um atendimento de qualidade, e alguém tem que pagar. Mas não se pode ratear de forma igualitária este custo entre os associados. Cliente bom – repassasse um custo menor (ele já se paga sozinho), cliente “tranqueira” – custo maior e realmente pago por ele. Esta é a regra do mercado. Não saber se é caro ou barato atender bem um associado “x”, vai de encontro às premissas de precificação dos serviços.

Divulgam também que as taxas são baixas, que não há tarifas (ou quase nenhuma) e é claro, com destaque, que haverá distribuição de Sobras ao final do exercício contábil, pois ele também será “dono”. Neste quesito vale uma ressalva. Muito pouco destaque é dado a real possibilidade de rateio de eventuais prejuízos (isto quando explícito e/ou entendido).

Outro detalhe na abertura de conta corrente é o fato de ter que integralizar um valor de Capital Social, que, em muitos casos, nem é percebido pelo novo associado como tal. Isto ocorre pela forma que é “vendido”: às vezes, mencionado como uma “poupança”; outras, “suavizado” pelas facilidades de integralização via parcelamento.

Com o advento da livre admissão, estas CC adotaram racionalmente um ínfimo valor de Capital Social, que muitas vezes é “entendido” pelos novos associados como uma tarifa de abertura de conta corrente, um cadastro etc. Na prática, a grande maioria deles não tem clareza do que é o Capital Social ou mesmo da sua corresponsabilidade na gestão da CC. Uma pesquisa simples e independente, baseada em coerentes hipóteses, tende a confirmar tal exposição.

2) Ajustando o discurso

Reflitamos quanto à força e coerência dos discursos cooperativista de crédito. Quantos dos filhos de seus associados têm mais de 18 anos? Agora, quantos deles têm contas correntes e as movimentam concentrando seus negócios na sua CC? Pouquíssimos.

Na prática, os próprios pais, reconhecidos como ótimos divulgadores do modelo cooperativistas, por algum motivo, não conseguiram repassar este predileção de forma convincente nem mesmo a seus filhos. Esta seria uma das lições de casa das CC para que tivessem mais “eco” os discursos dos princípios cooperativistas de crédito. Educamos e gerimos mais facilmente quando temos explícitos exemplos e realistas testemunhos.

Esta colocação e outras nos alertam que pode ser um ledo engano acreditar que a grande maioria dos nossos associados está conosco por terem uma forte veia cooperativista. Basta fazer um levantamento do número e da idade média dos associados que frequentam a importantíssima assembleia anual. A totalidade dos associados buscam soluções racionais para seus problemas, e não há porque serem nossos parceiros comerciais se não atendermos suas expectativas como nossos “clientes”. Como digo em meus treinamentos: “Relacionamento comercial é uma paga justa por um tempo justo”. Ou, um pouco mais forte: “Onde circula cifrão, a razão predomina”.

Com base na premissa acima, os dirigentes da CC têm a necessidade de “evangelizar” sobre o cooperativismo de forma coerente, sempre respeitando a realidade “nua e crua” do mercado. Devem ter um discurso cooperativista bem estruturado, atualizado e gradualmente desenvolver na totalidade dos associados uma aderência real a esta modalidade de associativismo. Para que então, estes associados possam gradualmente ser transformados em multiplicadores/propagandistas do modelo. Caso contrário, os dirigentes farão inflamados discursos cooperativistas para plateias cada vez mais diminutas e de idade mais avançada.

Concluo afirmando que estamos diante de uma grande oportunidade. Do limão, uma limonada. Mas reforço a necessidade dos dirigentes admitirem que seus já rentáveis associados (e os novos) buscam apenas desfrutar de uma instituição financeira, tal qual um banco de varejo massificado da praça. Se isto for entregue com maestria, haverá espaço para perpetuação das CC, concomitantemente espaço e tempo para “divulgação” com êxito do modelo cooperativista de crédito.

3) Visão comercial

Antes de avançar nesta abordagem, devemos considerar que algumas CC podem estar tendo resultados positivos não necessariamente pela sua eficácia na gestão, mas sim por ser tratar de um negócio conceitualmente hiper rentável, deter uma base cativa e influente no seu micromercado, desfrutar de substanciais benefícios por parte do BACEN quanto a alguns compulsórios e tributos (não disponíveis aos bancos de varejo), entre outros aspectos. Resumindo: esta realidade pode eventualmente permitir que ainda haja boas sobras, mesmo com mediana eficiência na gestão comercial, que é o coração da CC.

De uma forma simplista, uma CC é um negócio como qualquer outro. Não é filantropia. É inquestionável que tem que dar resultados para “praticar” seu benefício social. Caso contrário, é um desserviço à sociedade. O negócio e os associados não acatam com conforto a distribuição de prejuízos. Não se mantém uma empresa deficitária, por mais que acreditemos na sua proposta. Ou seja, a rentabilidade líquida é o primeiro gol a ser buscado pelos dirigentes de uma CC. Havendo este, a goleada fica fácil. Caso contrário, não haverá segundo tempo e, sim, talvez, segunda divisão.

Comercialmente, as CC devem entregar soluções financeiras e serviços tão bons quanto seus concorrentes diretos – os bancos de varejo. Eles devem ser geridos como “diferenciados” para que as CC possam competir e receber uma paga justa por este esforço. Isto permite sobras e reservas para reinvestir na perpetuação da CC. Parece simples, mas é algo de uma enorme complexidade.

Aparentemente, falta buscar nos associados mais aderência à cooperativa, de tal sorte que a totalidade das suas necessidades financeiras sejam concentradas e satisfeitas pela CC. Hoje, o que se observa é um discurso destoando da boa prática comercial. Muitas CC conduzem equivocadamente os negócios com seus associados de forma isolada – produto a produto, serviço a serviço. Devemos lembrar que uma parceria comercial ideal precede de concentração de necessidades e de negócios junto a um bom fornecedor, mas não apenas uma ou outra solução isolada.

Observo na prática comercial das CC um discurso, um tanto equivocado, de que todos os associados, por serem também “donos”, podem tudo ou quase tudo. Até mesmo receberem atendimento VIP, independente de serem associados “tranqueiras” comercialmente. Isto sem falar da permissão de práticas vistas com atenção pelo BACEN. Um equívoco que arranhará a rentabilidade e credibilidade do negócio. Lembrando que as instituições financeiras, tal quais as CC, sobrevivem porque vendem unicamente credibilidade e serviços com eficácia comercial.

Atualmente, uma grande quantidade de associados usa sua CC como se fosse uma financeira, haja vista que é barato tomar crédito. De tanto discursar, o associado aprendeu. Faz na CC apenas o que lhe é interessante.

Outra faceta é o uso das CC pelos associados como um porto seguro para suas aplicações financeiras, mesmo em Capital Social, obtendo retornos maiores do que o mercado bancário, e com risco mínimo. Novamente suas outras necessidades financeiras são solucionadas cotando o mercado. Desta forma, 100% racional, as CC estão educando “taxeiros” e não associativistas.

O fato é que é raríssimo termos uma CC que realmente tenha noção do potencial saudável de compra de produtos e serviços de cada cliente. Isto permitiria identificar se ele está realmente aderente à CC ou é apenas mais um “taxeiro”, com baixíssima ou nenhuma aderência à CC e ao conceito cooperativista. Se pudéssemos resumir, diríamos que parte deste problema tem origem no baixo conhecimento do potencial da base de associados, pouca expertise comercial no mercado financeiro massificado, dirigentes e gerentes de contas “acomodados” comercialmente pelo repetitivo discurso de que “não são bancos” e de que os associados são donos (eles decidem o que querem e como querem) e, por fim, na forma com que as metas comerciais são definidas e distribuídas.

4) Empurrologia

Muitas vezes ouvimos dos dirigentes de CC que os bancos de varejo fazem “empurrologia” de produtos e serviços bancários ou, como dizem, GA (goela abaixo). Certo, todo o excesso é condenado. Mas, na prática, se observa que a força de venda das CC é “suave” demais, permitindo que os associados venham apenas se abastecer daquilo que lhe é mais barato, distanciando-se da proposta maior das CC que é ser a solucionadora da totalidade das necessidades financeiras dos seus associados.

Vamos fazer uma reflexão quanto às vendas e à realidade em sua CC. Se for verificar na sua base de associados, verá que os tomadores de crédito, através de operações “casadas”, são quase a totalidade dos que estão comprando seus seguros, integralizando sempre novas cotas no Capital Social, cadastrando seus débitos automáticos, pagando suas tarifas, usando cartões de crédito, demonstrando real aderência etc. Ou seja, rentabilizando e permitindo a perpetuação da sua CC. De certa forma, sua CC, “sem saber”, pratica a “empurrologia” dos bancos de varejo tão condenada pelas cooperativistas de crédito. A prática comercial é fruto direto da coerência.

5) Tirador de pedidos

A força de venda de muitas CC faz algo como se fossem apenas atenciosos “tiradores de pedido”. Aquilo que o cliente verbalizou lhe é oferecido (eventualmente mais alguma coisa muito óbvia). Isto seria o atendimento desejável se as CC fossem um órgão público. No ramo comercial isto é muito pouco. Se mantivéssemos nossa força de venda neste patamar tão limitado, poderíamos até substituir nossos gerentes de contas/negócios por simpáticos atendentes sem prejuízo da qualidade percebida e com real redução de custos.

Gerente comercial tem que entender para vender. Tem que saber a arte de perguntar para que favoreça a intimidade, permitindo um bom atendimento com rentabilidade. Tem que saber o grau de saturação saudável de cada cliente e buscá-lo com astúcia. Tem que ter meta de vendas com qualidade, rentabilidade líquida, de aderência da base e crescimento sustentável da base. Eles são pagos para entregar rentabilidade advinda de bons atendimentos. È uma “matrícula” e tem que “entregar” rentabilidade líquida muito maior que seu salário (conceito econômico da “mais valia”). Esta é uma visão radical, mas o que se esperava quando o contrataram? Que apenas atendesse bem todo mundo ou que buscasse rentabilizar a CC através do atendimento com maestria das necessidades dos associados rentáveis?

Há outro aspecto importantíssimo que deriva da explanação acima e do estágio comercial das CC. É que não exigimos ou pontuamos nossos gerentes de unidades/contas quanto à obrigação de “fazerem” seus “segundos”. É um erro crasso de administração um gerente sair de férias, mudar da agência ou mesmo ser demitido, e isto acarretar uma perda absurda de qualidade dos serviços, na rentabilidade, elevação de risco etc.

6) Tarifas

Um fato marcante no cenário de rentabilização do associado é o quesito “tarifa”. Muitas CC ainda discursam que seus associados não pagam tarifas como se fosse um grande e sustentável diferencial. Cuidado. Devem rapidamente rever este discurso, caso contrário enfrentarão sérios problemas. A receita com tarifa é um importantíssimo pilar para amortizar os custos fixos de qualquer instituição financeira massificada. Certamente, este assunto tem inúmeras variáveis que devem ser consideradas, mas a lógica é simples. Tudo na CC tem um custo, em especial o atendimento (serviço) tão “qualificado” que as CC pretendem ou dão à totalidade de seus associados.

É temerosa a lógica de isentar linearmente a totalidade da base de associados, em especial pelo agravante comercial pouco lembrado. Esta prática tem baixíssimo apelo comercial na longevidade do relacionamento. Devemos conduzir as tarifas como uma moeda de troca muito bem estruturada e divulgada. Basicamente, deve-se beneficiar preferencialmente aqueles associados com altíssima aderência, concentração, risco aceitável, longevidade e potencialidade. Nunca se esquecendo de “cacarejar” este benefício racional, visando que seja percebido como algo monetário e pré-acordado, e não algo como “direito adquirido” e sem data para acabar. Aquilo que se dá mas não “rememora sempre” passa despercebido e se torna um grande centro de custo com baixíssimo diferencial comercial. Lembrando que a volta da sua cobrança será sempre traumática, quando isto for possível.

Equivocadamente, muitos profissionais de CC acreditam que nunca irão precisar cobrá-las, postergando um problema a ser enfrentado imediatamente. Há formas coerentes e criativas de se fazer este início de cobrança, de tal sorte que se torne comum pagar tarifas em uma CC. Em especial se os serviços prestados realmente forem percebidos pelos associados como de altíssima qualidade.

Algumas CC cobram algumas tarifas de forma equivocada, haja vista que o serviço não foi prestado com qualidade e/ou sem nenhum efeito comercial. Um exemplo muito comum é a tarifa de renovação da ficha cadastral. Ocorre que muitas CC apenas cobram, mas nada de prático e percebido pelos associados. Um grave erro comercial. O cadastro é a alma de um bom relacionamento comercial, e não uma ínfima ferramenta para conceder crédito ou elevar as receitas de tarifas de forma indiscriminada.

Em meu livro, trato o assunto “tarifas e taxas” de forma muito mais abrangente, mas, resumidamente, oriento para que as tarifas punitivas sejam as mais altas do mercado. Se isso não educa, pelo menos ajuda na liquidação dos custos fixos. As tarifas que tenham pouca frequência de cobrança pela baixa ocorrência do fato devem ser baixíssimas e muito “cacarejadas”. As mais frequentes, cobradas na totalidade com valores na média dos bancos de varejo massificado. Por fim, todos os débitos, inclusive de tarifas devem ocorrer na data de maior entrada de recursos na conta corrente do associado.

Deve-se ter o cuidado, neste afã de cobrar tarifas, de não se elevar facilmente as tarifas atreladas ao crédito. O caminho mais fácil pode não ser o mais coerente no médio e longo prazo, bem como denota despreparo na visão do gestor. Eu poderia dar outras dezenas de sugestões, mas o tema do texto e este meio não me permitem. Ficam para uma próxima.

7) Taxa de juros

Muito cuidado também com este discurso. Trazer clientes para a CC somente porque sua taxa de juros é baixa é um caminho fácil para fragilizar o negócio cooperativista. Este cenário torna-se muito mais instável comercialmente para as CC que só fazem crédito consignado, haja vista que taxa é sua única oferta.

Sim, temos que ter uma excelente solução financeira, inclusive taxas de juros competitivas. Mas nunca a menor do mercado. Há grande diferença comercial entre estes dois discursos. É importante recordar que taxas de juros não são decorrentes apenas do custo do dinheiro, do praticado pelo mercado, da linha de crédito,… como usualmente praticadas. Há inúmeras outras variáveis técnicas, comerciais e gerenciais que devem ser consideradas.

Vemos, como uma praxe acadêmica, a adoção de uma taxa fixa para uma linha de crédito massificada. É uma forma de engessar comercialmente uma CC, além de pouco coerente com um discurso cooperativista que prima pela concentração de soluções de um mesmo associado. Vejamos a seguinte e usual cena: você tem um cliente há cinco anos de CC com seis produtos, movimentando bem sua conta corrente, e que nunca atrasou seus compromissos ou emitiu cheque sem fundo. É correto e/ou coerente que ele tome crédito à mesma taxa de um associado com apenas dois meses de CC? Simples. Basta aprovar em “estatuto” que as taxas de juros serão deflacionadas conforme a tabela dinâmica “X”, beneficiando clientes mais aderentes ao conceito cooperativista. Todos são iguais, mas comercialmente alguns devem ser “mais iguais” que os outros.

Poderíamos tratar de outros temas relacionados à taxa de juros como precificação da taxa de juros, engessamento das soluções de crédito, cobrança proativa, metas de concessão e cobrança etc. Mas oriento que parte desse assunto está à sua disposição no texto “Tomador de Crédito – Vassalo ou Rei” postado em meu site.

8) Aspectos da captação

Sabemos que a quase totalidade dos recursos emprestados tem origem nas reservas de um grupo de cooperados “poupadores”. Aparentemente algo básico para uma boa gestão. Mas nem tanto. Muitas vezes, algumas CC lançam campanhas para alavancar um ou outro produto de captação de forma intempestiva, sem observar a enormidade de “senões” que estão no entorno.

Um primeiro ponto é o extremo destaque ao volume administrado, em detrimento a aspectos tão relevantes ou mais, como a curva vem desenhando, que tipo de concentração, a qualidade do funding, sazonalidades, fugas, migrações etc. Precisa-se educar para ter uma visão muito astuta, tanto da floresta como das árvores.

Vamos analisar apenas alguns deles. Sabemos que, em engenharia financeira, o descasamento é algo muito perigoso. Um exemplo: você capta por 30 dias um valor “X” que permite geração de funding (dinheiro para emprestar para outros associados). Ele servirá para suportar um empréstimo de 12 parcelas mensais. Se este seu produto de captação tem uma série histórica estável e constante, o problema não é tão gritante. Mas, caso contrário, como você irá se lastrear para manter emprestado um montante para o qual você já não tem mais o funding após 30 dias?

Outro aspecto relevante. Visando atender unicamente três ou quatro grandes agricultores no crédito rural, inicia-se um processo caro de captar em “conta-gotas” uma grande soma em produtos populares (poupança), que tem direcionamento certo para o crédito rural (no caso das CC). Um custoso e enorme esforço operacional para atender poucos associados, concentrando riscos e benefícios, além dos baixos retornos. Uma regra é óbvia no mercado: quanto maiores forem seus associados, mais esclarecidos comercialmente eles serão. Certamente fazem seus melhores negócios com outros bancos, sem aderência a esta ou àquela instituição.

Vale aqui uma importantíssima ressalva. Nota-se que muitas CC têm um esforço muito grande em oferecer fundos de investimentos, mesmo sem o associado pedir. Muito cuidado. Estes produtos não geram funding. Ou seja, se 100% dos seus associados colocarem suas reservas nestes produtos, a CC não terá dinheiro da base para emprestar.

Os clientes de CC que tradicionalmente aplicam em RDC (Recibo de Depósito Bancário – o CDB das CC) ou produtos derivados do RDC geram um belo e barato funding, permitindo uma concessão de crédito muito coerente. Mas se tivermos altas metas internas para captação de fundos de investimento, estes clientes serão conduzidos pelos gerentes a colocar novos recursos ou migrar os existentes para esta “nova” forma de aplicação. Fundos são produtos de baixa rentabilidade para instituições com forte veia para empréstimo. Sua rentabilidade vem apenas da taxa de administração ou eventualmente da taxa de performance.

Havendo este movimento das aplicações para fundos, ficará muito, mas muito difícil conseguir que o cliente novamente volte a aplicar em produtos lastreados por RDC. Portanto, mais importante que seguir modismos mercadológicos é literalmente entender como seu negócio “respira”. Muitas vezes, o cliente não quer nem mudar, mas uma meta pontual e desequilibrada pode “prostituir” uma ação coerente e de longevidade para a CC.

Por fim. Muito cuidado ao transformar o Capital Social em um produto de captação/investimento. Ele certamente não se presta para isto. Sua missão é muito mais nobre que esta. É um desvio maléfico de finalidade que pode, no médio prazo, acarretar em grandes dissabores para a CC e, em especial, a estes associados investidores que “aplicaram” em busca de altos retornos sem correspondentes riscos. Agrava-se o problema se houver, por exemplo, mudanças na forma de rateio das sobras, queda real das remunerações do Capital Social etc. Não pensem que eles são tão cooperativistas assim. Eles só vão continuar aplicando na CC, em especial no “Capital Social”, se for mais rentável do que o ganho junto aos bancos de varejo para um mesmo risco.

Reconheço que a afirmação acima é forte, especialmente por ser uma prática comum e estarmos em um período de bonança para as CC. Capital Social não pode comparado como solução de previdência/pecúlio, pois há produtos muito bem desenhados para este fim. Bem como que, em condições mais adversas de mercado ou de solvência de uma CC, poderá haver rendimentos negativos, perda parcial ou total do Capital Social (se o fundo de reserva não suportar a perda), e decisões em assembleia de que o resgate dar-se-á somente de forma parcelada ou mesmo não ocorrerá durante alguns anos. Isto coloca em cheque um dos três pilares do bom investimento: solvência. Assim sendo, este “investimento” se assemelha tecnicamente, quanto à forma e risco, a um fundo de ações. Você passa a ser dono votante de uma empresa, assumindo também todos os riscos, sem nunca ser maioria. Tendo como complicador que a perpetuação da CC será o objetivo a ser perseguido mesmo na época de crise, em detrimentos da necessidade financeira de um ou alguns associados.

Por fim, a totalidade dos associados deve ficar atenta para que não haja mudança brusca das formas de sacar o Capital Social, suavizando os prazos e limites, unicamente para beneficiar este tipo de “associado” investidor. Também devemos ficar atentos se o Capital Social é o único “produto” que um cooperado tem com a cooperativa. E muito mais ainda se há outros associados como este compondo a grande maioria de seu Capital Social.

9) Discursos

Os antigos já nos alertavam de que, ao repetirmos muito vezes uma meia verdade, ela passa a ser uma verdade inconteste para muitos, em especial para nós mesmos. Observo que isto é um dos grandes problemas de alguns dirigentes cooperativistas. Alguns discursos estão sendo repetidos com tamanha intensidade, sem estarem se modernizando. Isto pode estar fazendo mais mal do que bem para o presente e o futuro das CC.

Um destes discursos é que, em conceito, seu grande diferencial original é ser uma instituição financeira que concede crédito muito barato a seus associados em um micromercado regional. Mas, se analisarmos mais a fundo este preceito, poderíamos até fazer uma correlação simplista de que este diferencial torna a CC apenas uma financeira a seus associados que necessitem de crédito. Algo limitado comercialmente e distante da realidade. Além do que, hoje, a percepção de taxa de juros é apenas um dos pilares para quem procura crédito, há outros tão importantes ou mais, como limites, linhas, agilidade, oxigenação do limite…, em especial para as CC que atuam como livre admissão.

Isto posto, imagino que o leitor queira colocar que a finalidade da CC é fomentar e redistribuir a riqueza na própria região, não a enviando para poucos acionistas banqueiros, nacionais ou não. A princípio, isto está sendo feito com êxito. Mas há um assunto correlato a este que suscita uma dúvida compartilhada por outros profissionais que estudam as CC: há total coerência na distribuição das riquezas, custos, prejuízos e sobras entre os associados tanto quanto o discurso? Certamente é algo que pode melhorar, pois eventualmente se observa uma tendência a beneficiar um grupo “dominante”.

Outro discurso dito com frequência é que as CC não têm clientes como os bancos de varejo, mas, sim, associados, donos do negócio. Bom preceito, mas na prática, se não conduzirmos a CC com os padrões comerciais do mercado financeiro massificado (onde também os bancos atuam) certamente quebraremos. As CC estão inseridas em um mercado dinâmico e capitalista, apesar de desfrutar de alguns diferenciais legais que tornam sua gestão um pouco mais suave que as dos bancos (compulsórios, tributos,…).

Nossos associados procuram nas CC soluções financeiras iguais as que aprenderam em um banco de varejo, por mais que muitos profissionais de CC não queiram admitir ou verbalizar tal fato. Ao “admitir” esta realidade, fica possível entregar com maestria uma gama de serviços e produtos financeiros e favorecer que possam ser reforçados os princípios cooperativistas. Sem entregar esta gama de serviços e produtos, vê-se um discurso sem eco, pois o básico esperado pelo cliente não foi entregue.

Outro discurso bastante ouvido é que as CC seriam a instituição financeira que levaria a “bancarização” aos rincões do Brasil, de onde os bancos comerciais estavam saindo pela inviabilidade econômica. O que vimos é que os Correspondentes Bancários já o fizeram com muito mais agilidade e coerência comercial do que as CC e ainda sinalizam um crescimento exponencial. As CC ainda preferencialmente atuam em regiões urbanas e terão pela frente uma enorme batalha com os bancos de varejo massificados, por mais que queiram negar ou se esquivar.

Um discurso corrente é que é mais barato manter uma conta corrente em uma CC do que em um banco comercial. Se atendimento e preço das soluções são diferenciais apregoados, eles devem ser realmente entregues, mas de forma coerente, precificada, racional e nunca emotiva. A saudável rentabilidade individual de cada associado é o que se deseja de reciprocidade. Nem menos, nem mais. O discurso deveria ser que o associado que concentrar suas necessidades financeiras na CC terá custos hiper reduzidos, caso contrário, será caro. Onde se voa de 1ª classe pagando 3ª?

Assim, é fraco este diferencial comercial de que o preço é baixo para se manter uma conta corrente na CC. Poderia ser um frágil “Calcanhar de Aquiles” de uma CC. Um banco de varejo massificado qualquer, se desejar, facilmente adotaria esta tática para detonar este diferencial, ofertando generosas bonificações massificadas aos seus cooperados.

Devemos agregar mais valor e diferencial ao atendimento, e cuidar para que nosso discurso recorrente de que já temos um ótimo atendimento não seja um “gol contra”. Quem avalia se um atendimento é bom ou não é o próprio cliente e não um preceito obtido através de percepção pessoal e/ou de poucos dirigentes e/ou de um grupo seleto de antigos cooperados. Lembremos que, quanto a serviços, cada cliente tem seus valores e crenças. Serviços não se rotulam, muito menos se certificam.

10) Livre admissão

Não podemos ser mais realistas do que o rei. O mercado sempre determina se um modelo financeiro deve ou não se perpetuar, bem como seus modus operandi. Sei que para os profissionais cooperativistas isto pode parecer um grande equívoco da minha parte, mas peço que observem o mercado sem “pré-conceito”.

Nos reunirmos com 30 a 50 cooperados visando explicitar os princípios cooperativista é razoavelmente fácil, especialmente no início da instituição. Mas com 1.000, 10.000, fica quase impossível, em especial se forem pessoas oriundas da livre admissão: urbanas, atualizadas, informadas, muito assediadas pelos concorrentes, acesso fácil a uma enormidade de opções, de idades não tão avançadas, além de pouco ou nenhum histórico com o cooperativismo, em especial de crédito.

Apesar de a livre admissão ser uma opção legal de alguns anos, só recentemente passou a estar mais presente nas mesas de planejamentos estratégicos das CC. Seja pela redução na velocidade de crescimento do modelo tradicional das CC (origem rural, médica, associação comercial,…) ou pela real necessidade de ampliar os horizontes em outros mercados para buscar ganho de escala, diferencial necessário para sua perpetuação.

Mas ainda são poucos os casos de sucesso de CC quando se trata da livre admissão. Ocorre que não basta ter a decisão estratégica da cúpula da CC e a aprovação do projeto no BC para dizer que realmente uma CC é de livre admissão. Muda o mercado alvo, e isto muda quase tudo. Nele, garra, disposição e astúcia são os grandes diferenciais.

Dessa forma, sendo ele tão competitivo, não podemos imaginar que haja espaço para as ações comerciais “conservadoras” de nosso gestores/colaboradores. Se a livre admissão será uma oportunidade ou ameaça, depende da agilidade e da capacidade de mudanças no formato de encarar concorrentes e o mercado.

Por mais que muitos sejam refratários, é básico para o sucesso neste projeto entender que há necessidade de algumas mudanças, seja no discurso, na forma de abordar, de fazer marketing, de argumentar, de vender, de desenvolver produtos, de contratar, capacitar e remunerar colaboradores, de entregar serviços, de precificar empréstimos, de automatizar atendimentos etc. A livre admissão precede de mudança de postura, principalmente dos dirigentes e gestores das unidades/contas. Os demais colaboradores e a totalidade dos associados precisam de exemplos de mudança, reais e testemunhais.

Resumo a influência da livre admissão no futuro das CC parafraseando um apresentador de televisão: “Mais do que nunca”. Definitivamente, os dirigentes das CC terão que admitir que competirão (mais do que nunca) de igual para igual com os bancos de varejo massificado. O histórico cooperativista dos fundadores e/ou de seus formadores de opinião não mais estará destacado neste mercado. Terão que “evangelizar” começando do zero.

A livre admissão tem seu foco prático na zona urbana e permite às CC ampliarem seu leque de ação em todos os ramos de público, consequentemente ganhando escala, com redução de custos e elevação de novas oportunidades. É certo que, quando convêm, muitas das CC já adotam esta prática através de facilidades no estatuto, mesmo não sendo formalmente livre admissão.

Hoje, a grande maioria dos associados já afirmam em pesquisas que sua CC parece um banco e que assim pode lhe prestar bons serviços. Imaginem então para os novos cooperados oriundos da “livre admissão”. Estes sim vão querer atendimento, produtos e serviços tal qual um banco de varejo massificado.

Mas algo chama atenção neste movimento. Uma declaração recente de um profissional cooperativista de crédito sinaliza uma distinção muito rígida entre públicos urbano e rural. Ele comentava que a livre admissão permitiria cuidar também da “comunidade”, além dos associados rurais. Esta distinção é perigosa, um tanto quanto desnecessária, e adota um conceito inovador para o que seja “comunidade”.

Mas neste novo cenário para as CC – livre admissão – há um detalhe que deverá ser observado. Há a tendência natural da grande massa destes novos associados serem oriundos de classes urbanas menos favorecidas e menos instruídas, por mais que o planejamento estratégico tenha orientado ao contrário (classes A e B – pequenas e médias empresas). Esta realidade implica que o valor do Capital Social original deverá ser muito baixo e de preferência parcelado. Portanto, não haverá formas, tempo e espaço na conquista para “evangelizá-los” corretamente quanto aos valores cooperativistas. A solução será adotar formas distintas e inovadoras de “catequese gradual” para estes novos associados. Lembrando que muitos deles nunca serão “convertidos”, apesar de manterem ativas e atuantes suas contas correntes.

Como as CC precisam ganhar rapidamente escala com redução de custos, é óbvio que terão na base cada vez mais clientes e menos associados. É simples comprovar. Basta auditar sua base através de uma pesquisa mercadológica independente para comprovar como este movimento já é verdade.

Neste último ano, estamos vivenciando uma corrida para livre admissão, mas falta músculo (experiência, vivência, astúcia,…) para fazer desta oportunidade um porto seguro e que some na perpetuação das CC. Ser uma CC de livre admissão atuando como uma CC tradicional trará resultados mercadológicos sofríveis. Não se pode jogar dama com pedra de xadrez. Esta máxima contextualiza este novo cenário.

As CC precisam rapidamente aproveitar esta grande oportunidade. Quem sabe não seja a melhor de todas e/ou a última ótima notícia legal dos próximos anos. Devem ganhar músculos, pois a briga será boa, seja pela concorrência agressiva dos grandes bancos de varejo ou pelo crescente grau de informação destes clientes quanto ao que seja uma oferta coerente de uma instituição financeira massificada. (agilidade, automação, desburocratização, gama de serviços,…).

Muito obrigado pela paciência em acompanhar minha linha de raciocínio até aqui. Reforço que não tenho a mínima pretensão de ser o dono da verdade. Espero que de alguma maneira possa ter lhe permitido mais reflexões sobre este tema que não se encerra aqui.

Estamos diante de uma enorme oportunidade comercial.

Concordar é secundário. Refletir é urgente.

Ricardo Coelho – Consultoria e Treinamento com Foco no Cooperativismo de Crédito

www.ricardocoelhoconsult.com.br – 41-3569-0466 – Postado em 10/10/2006